Roda de Terapia Comunitária para enfrentamento à violência

Levando o brincar para os adultos, focando na ludicidade e nos afetos foi iniciada, no final de julho, a primeira Roda de Terapia Comunitária na Ocupação Quilombo do Paraíso, no Subúrbio Ferroviário. Com o objetivo de incentivar uma melhor comunicação, por meio da escuta respeitosa, e uma compreensão mais ampla e clara das questões que afetam os indivíduos e, por consequência, toda a comunidade, o projeto Estação Subúrbio – nos trilhos dos direitos (Avante e KNH) realizou mais uma ação em prol de uma cultura de paz na comunidade ao promover um espaço de construção de redes sociais solidárias.

A iniciativa parte da percepção de que a violência é complexa e multifatorial para trazer uma proposta de cuidado consigo e com o outro como solução dos conflitos pessoais e coletivos, visando seu principal objetivo, que é a redução da violência, em especial aquela que afeta crianças e adolescentes. “Nosso sistema social perverso contribui para a fragilidade das relações, o que leva à violência de todo tipo. Nós trazemos a proposta de fortalecimento dos laços por meio de uma técnica que trabalha a cooperação e a escuta, indo no caminho contrário – fortalecer as relações, a união dentro da comunidade”, disse Deise Nery, assistente social do projeto e mediadora da Roda.

A Roda de Terapia Comunitária toma como base a metodologia da Terapia Comunitária Integrativa, criada no Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, que prevê a horizontalização dos processos, ou seja, trabalhar do unitário para o comunitário buscando, sempre, o respeito à ancestralidade.  Deise Nery conta que o processo consiste numa dinâmica inicial de Integração – momento que o Projeto aproveita para levar o brincar aos adultos e trabalhar para garantir esse direito às crianças e adolescentes, sendo a brincadeira a principal estratégia do Estação Subúrbio para o combate à violência na comunidade, em especial em relação a esse público, e entre eles. “O tempo e o espaço de brincadeira são um exercício lúdico duma experiência, por um lado de alegria e comunhão e por outro, de acesso a direitos e deveres”, disse Ana Oliva Marcilio, consultora associada da Avante e Coordenadora do Projeto.

Após integração, chega a hora do compartilhamento respeitoso. Nesse primeiro encontro na Ocupação Quilombo do Paraíso foi preciso vencer a timidez e o costume que temos de encontrar a solução para os desafios alheios para, só então, adentrar nas questões pessoais. A equipe que mediava a Roda soube que chegou a esse ponto quando uma das moradoras compartilhou seu incômodo por ter que conviver com uma rouquidão causada pelas inúmeras feridas nas cordas vocais devido à fome, situação social grave compartilhada por muitos dos presentes. A partir da sua fala os companheiros de comunidade puderam, também, dividir suas experiências relacionadas à questão. “É nesse momento que eles podem fazer perguntas para elucidar mais o problema que veio à tona na Roda e partilhar situações semelhantes que tenham vivido. As regras do processo são muito importantes, todos devem se ouvir, não interromper um ao outro e sempre falar em primeira pessoa, partilhando suas experiências, nunca dando conselho ou dizendo o que a outra deve fazer”, explica Deise Nery.

“Foi muito importante colocar todas as mães da comunidade juntas e trazer à tona problemas que atingem algumas pessoas na comunidade. Há uma importância de escutar o outro, deixar o que a gente tem que fazer dentro de casa e vir se dedicar a um problema coletivo, não individual. O Projeto traz isso, e é interessante a gente conseguir escutar o problema do outro, sem criticar”, conta Nadjane dos Santos, estudante de Serviço Social e mãe de crianças atendidas pelo Projeto, moradora da comunidade.  Mari Arlem dos Santos, também mãe de crianças atendidas pelo Projeto, disse acreditar na força da comunidade unida, promovida pela Roda. “Há uma importância de todo mundo se reunir (…) Na Roda, a experiência foi de um ajudando o outro. As pessoas passam por vários tipos de coisas e às vezes o outro tem o mesmo problema e não sabe como achar uma solução. Ao compartilhar sua história e como a resolveu acaba ajudando aquele que não sabe que tem solução. Achei muito importante botar o problema na roda. Coisas que eu não sabia e também estou passando, eu agora sei como resolver”, contou.

Após a Roda de Terapia aconteceu um Bazar Solidário, de roupas e calçados coletados pela equipe da Avante, atendendo a um pedido da comunidade. Na sequência, a comemoração dos aniversariantes do semestre, com direito a lanche coletivo. Uma prática já estabelecida com as crianças mês a mês pelo Estação Subúrbio, agora experimentada pelos adultos. “É importante não só trazer a escuta, mas ter o cuidado com o outro, ser presenteado, porque ter cuidado com o outro é também nessa parte de dar e receber alguma coisa”, disse Nadjane dos Santos. “É uma forma de fortalecimento, do bate papo ao bazar, de manter as famílias unidas e fortalecidas para que possam resistir. Essas ações precisam se multiplicar para outros quilombos”, disse Valdinei Santos, da Agência de Notícias das Favelas, que fez uma visita à comunidade e testemunhou o impacto na ação nas pessoas.

Estação Subúrbio

Desde maio de 2018 o projeto Estação Subúrbio, por meio do Balcão Psicossocial –  vem realizando as Rodas Terapêuticas na ESCOLAB [Escola Laboratório da Prefeitura de Salvador]. Esse ano a iniciativa começou a ser realizada na Ocupação devido à dificuldade de mobilidade dos integrantes da comunidade para ir à ESCOLAB participar das Rodas.

O Balcão Psicossocial é uma tecnologia social desenvolvida pela Avante – Educação e Mobilização Social inserida entre as ações do projeto Estação Subúrbio – nos Trilhos dos Direitos, que tem como principal foco o acolhimento, escuta e encaminhamento das demandas da comunidade.

Estação Subúrbio vai atuar no território até 2021, com ações para aumentar o envolvimento de atores da comunidade na defesa dos direitos da criança e adolescente. Além do Balcão Psicossocial, realiza atividades de estímulo ao livre brincar em espaços públicos comunitários, com o intuito de promover o sentimento de pertença, ampliar o cuidado com o ambiente comunitário e melhorar a qualidade das relações interpessoais.

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