Pelo fim dos autos de resistências

Os autos de resistência são, grosso modo, nos dias de hoje, nada mais que uma licença para matar sob a justificativa de resistência à prisão. O instrumento é uma medida administrativa criada durante a ditadura militar brasileira para legitimar a repressão policial comum à época. Oficialmente, os autos de resistência não existem na Lei, mas amparam-se em alguns dispositivos legais como o artigo 292 do Código do Processo Penal (1941), que autoriza o executor de uma prisão e as pessoas que o auxiliam a usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência.  Ou seja, qualquer coisa que possa ser enquadrada em um ato de resistência pode ser justificativa para uma execução sumária.

 Este instrumento, nascido na ditadura, permanece amplamente utilizado na democracia brasileira como uma ferramenta que vem transformando em estatísticas de violência a vida de jovens negros ao permitir que o policial que comete um assassinato em serviço não seja preso em flagrante, assim como autoriza que o ato não seja investigado. Para isto, basta a afirmação de que ao ser dada a voz de prisão houve uma recusa em obedecer, “obrigando” o agente a usar toda a sua força, inclusive para matar.

A prática tem sido responsável por diversas mortes, em especial da população negra e jovem e, por isto, tem sido mobilizadora da sociedade civil em prol da aprovação do PL 4471/12 – pelo fim dos “autos de resistência” e “resistência seguida de morte”. Foi assim que surgiu a carta manifesto abaixo, proposta e assinada por organizações do movimento negro baiano, estado que, conforme divulgado no documento possui uma média de mais de uma execução por dia.

A carta veio a público em meio às discussões geradas pelo caso de Claudia Silva Ferreira, mulher negra, pobre e mãe de oito filhos que foi morta durante uma operação policial no Morro da Congonha, em Madureira, na Zona Norte do Rio de Janeiro e que teve o corpo arrastado por 350 metros por um carro da Polícia Militar.

Moção de Apoio ao Projeto de Lei 4471/12

Nós, organizações de movimento negro do estado da Bahia, manifestamos nosso apoio à aprovação do PL 4471/12, que altera os arts. 161, 162, 164, 165, 169 e 292 do Decreto-Lei nº3.689, de 3 de outubro de 1941- Código de Processo Penal, prevendo assim o fim dos “autos de resistência” e “resistência seguida de morte”.
Os dados do 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicados em 2013 demonstram que a polícia baiana é a que mais mata, com uma média de mais de uma execução por dia. No caso sobre o assassinato da Sra. Claudia Silva Ferreira, no Rio de Janeiro, foi identificado que dois dos três policiais militares acusados estão envolvidos em 62 autos de resistência.
Defendemos ainda a manutenção do projeto como foi apresentado onde: obriga a preservação da cena do crime; obriga a realização de perícia e coleta de provas imediatas; define a abertura de inquérito para apuração do caso; veta o transporte de vítimas em “confronto” com agentes, que devem chamar socorro especializado; substitui os “autos de resistência” ou “resistência seguida de morte” por “Lesão corporal decorrente de intervenção policial” e “Morte decorrente de intervenção policial”.
No sentido de garantir a exaustiva apuração de casos de letalidade derivada do emprego da força policial e redução substancial dos casos de execuções cometidas por policiais, manifestamos nosso apoio ao PL 4471/12 e solicitamos a aprovação do referido projeto.

Bahia, 31 de Março de 2014

Entidades que assinam:

Afoxé Filhos do Congo
Aganju – Afrogabinete de Articulação Institucional e Jurídica
Articulação Interredes de Jovens do Nordeste
Associação Cultural Aspiral do Reggae
Associação Cultural de Hiphop Nova Saga
Associação Cultural os Negões
Associação de Ogans do Reconcavo
Associação Socio-Cultural e de Capoeira Bloco Carnavalesco Afro Mangangá
CMA HIPHOP – Comunicação, Militância e Atitude HipHop
Coletivo Boom Clap
Coletivo de Assessoria Ciranda
Coletivo de Entidades Negras
Coletivo Martin Luther King
Coletivo Quilombo
Coletivo Regional de Participação Social
Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado da Bahia – CDCN
Conselho Estadual Quilombola
Conselho Municipal da Comunidade Negra da Cidade do Salvador – CMCN
Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN) – Bahia
Corpo Acadêmico dos Negões
Desabafo Social
Fórum Baiano de Juventude Negra
Fórum de entidades do Bairro da Paz
Instituto Cultural Steve Biko
Instituto de Mídia Etnica
Instituto Mão Amiga de Ação Social & Cidadania
Instituto Odara
Instituto Palmares de Promoção da Igualdade
Instituto Pedra de Raio
Levante Popular da Juventude-BA
Liga dos Invasores
Mídia Perifiérica
Movimento dos Sem Tetos da Bahia – Democrático e de Lutas
Movimento negro Unificado (MNU) – SEÇÃO Bahia
Organização Sócio Educativa e Cultural Hip Hop Clã Periférico
Posse de Conscientização e Expressão – PCE
Quilombo Educacional da Ilha de Vera Cruz
Rede de Jovens do Nordeste – Bahia
Rede Juventude de Terreiro
Resistência Comunitária
Revolution Reggae
Unegro – União de Negros Pela Igualdade
Vixe Produções

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