Especialista portuguesa fala sobre participação infantil

“Estamos todos à procura de um caminho, e se acreditarmos e formos consistentes e respeitosos relativamente a essa imagem que estamos apregoando – criança como sujeito ativo de direito -, o caminho vai se fazendo. Acho que as trocas de experiências são muito interessantes. Eu aprendo muito quando saio de Portugal e conheço projetos como o Posso Falar?, por exemplo”, disse Natália Fernandes, especialista em infância, pela Universidade do Minho, Portugal, esteve em Salvador, em julho para ministrar uma conferência sobre participação infantil, organizada pela Avante – Educação e Mobilização Social, por meio do projeto Infâncias em Rede/Fundação Bernard van Leer, em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em entrevista exclusiva ao site da Avante, Natália traça um panorama das pesquisas e práticas sobre a garantia do direito das crianças à participação na Europa e América Latina.

Licenciada em Educação de Infância pela Universidade do Minho, Natália Fernandes doutorou-se em Estudos da Criança, na área de Sociologia da Infância, em 2005. Realizou, em 2014/2015, um pós-doutoramento na Universidade de Leeds – uma das 100 melhores universidades do mundo, e posicionada entre as 24 do Reino Unido. É também professora auxiliar no Departamento de Ciências Sociais da Educação do Instituto de Educação da Universidade do Minho.

Avante: O que você conhece sobre o Brasil e sua luta pela participação Infantil?

Natália Fernandes: Eu conheço um pequeno recorte que me é vivenciado por relações que nós construímos com pessoas que vão do Brasil para Portugal com o objetivo de fazer doutorado ou pós-doutorado. E nesse sentido temos construído articulações e tenho acompanhado algumas discussões no âmbito da Educação Infantil. Conheço um recorte do que se tem feito em termos de pesquisa, no sentido de tentar perceber ou tornar mais visível o que é a participação dos bebês dentro da creche, e das crianças nas instituições de Educação Infantil.

Avante: A Europa, por ser mais desenvolvida economicamente, tem mais conhecimento e prática em relação à participação infantil numa comparação com países como o Brasil?

Natália Fernandes: Acho que os países da Europa têm muito a aprender com as práticas de muitos países da América da Latina. Como eu disse na conferência, há algumas referências fundamentais como o Paulo Freire. Além disso, existem trabalhos excelentes no que diz respeito à visibilidade, na prática, daquilo que se discute na teoria.  Em especial, pessoas ligadas à causa do Trabalho Infantil.

Eu acho muito impactante e ‘iluminável’ toda a discussão que se faz em alguns países da América Latina sobre a participação das crianças no debate sobre esse tema. A forma como se discute o direito ao trabalho e o direito à infância, que são colocados em discussão a partir da valorização da crianças como um sujeito ativo que tem protagonismo.

Avante: Isso denota que a América Latina, pela situação social da criança, é um campo de pesquisa mais rico, no que se refere à prática, sobre a participação infantil? Seria esse o motivo de a prática ser mais relevante aqui na América Latina?

Natália Fernandes: É interessante o fato dos projetos que conheço sobre participação infantil serem quase todos com crianças em situações limites do exercício de seus direitos. O mesmo acontece na Europa; a maior parte dos projetos interessantes, que promovem a participação das crianças, é com crianças que vivem em situação de vulnerabilidade. Esta é uma questão interessante, estou agora a pensar nela.  Parecem que aquelas outras crianças que já estão em contextos em que nenhum dos direitos parece faltar, nós nunca nos indagamos sobre o direito à sua participação. É um tema interessante para pesquisas.

Avante: Qual o país referência hoje em participação infantil?

Natália Fernandes: Não me arriscaria a fazer afirmações a esse respeito

Avante: O fato de a prática ser mais rica na América Latina, a teoria mais forte na Europa e nos países mais desenvolvidos economicamente e a falta, a princípio, de um país que seja referência em participação infantil pode ser mostra do quanto o tema ainda está em uma fase inicial de debate e difusão?

Natália Fernandes: Sim, é algo que se está a construir. Ainda estamos tomando conhecimento de processos episódicos aqui e ali. Em outubro, no ano passado, participei em um congresso no México e descobri que neste país, nos períodos das eleições, as crianças também votam. Só que de uma forma diferente, na qual identificam aspectos que para elas são importantes ou sobre os quais não estão satisfeitas.

Na Espanha, por exemplo, há planos municipais para a infância onde as crianças são envolvidas na identificação de problemas da comunidade. Há outro projeto que se chama Sementes Participativas de Crianças, que faz com elas um levantamento de problemas ao qual é associado uma verba que serve para dar respostas aos problemas por elas apontados. Há episódios. Tem o Cidade Amiga das Crianças, que pretendem construir com elas ou restituir a possibilidade de se moverem autonomamente e poderem participar dos espaços públicos.

Estamos todos à procura de um caminho, e se acreditarmos e formos consistentes e respeitosos relativamente a essa imagem que estamos apregoando – criança como sujeito ativo de direito -, o caminho vai se fazendo. Acho que essas trocas de experiências são muito interessantes. Eu aprendo muito quando saio de Portugal e conheço projetos como o Posso Falar?, por exemplo, que eu não conhecia.

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