A direção do olhar do adolescente, focalizando a escola

“O ineditismo das revelações emergentes arrebata, emociona, convoca, clama: ‘Todos pela qualidade da educação’ e parece ratificar a afirmativa de que só a escola corrige o Brasil”. A frase poderia facilmente ser atribuída a um dos históricos momentos do atual movimento de ocupação das escolas pelos estudantes das redes municipais. Mas está no livro A direção do olhar do adolescente focalizando a escola, escrito em 1998 por Maria Thereza Marcilio, Ana Luiza Buratto, consultoras associadas fundadoras da Avante – Educação e Mobilização Social e Maria Rita Coelho Dantas, na ocasião, consultora pedagógica da Fundação Clemente Mariani.


O livro foi escrito com a finalidade de compartilhar as experiências vividas durante a realização do Prêmio Fundação Odebrecht/UNICEF 1995: “Todos pela qualidade da educação – o adolescente por uma escola melhor”, e foi elaborado a partir de uma cuidadosa análise da coleta e da participação de jovens de todo o Brasil feita pela Avante, na época respondendo ainda pela razão social de Avante – Qualidade, Educação e Vida.


A iniciativa foi executada pela instituição em 1996 e mobilizou 96 mil adolescentes em todo o país para participação no prêmio. A ação também foi definitiva para a consolidação da Avante como ONG e rendeu à Odebrecht o prêmio ECO, nesse mesmo ano. No prefácio do livro Claudius Ceccon, fundador do Centro Cultural de Imagem Popular (CECIP), ressalta que as críticas dos jovens à escola dirigem-se principalmente à sua vertente gerencial, mas não se esquecem de outras duas, a pedagógica e a relacional.


Ele destaca que as observações profundas e cheias de clareza vêm de uma juventude que, se julgada pela imagem que dela fazem nos meios de comunicação, seria “vazia, conformista, incapaz de uma visão crítica e insensível aos problemas da sociedade que a cerca”.


O olhar do adolescente


No entanto, “sua visão é construída através da vivência concreta e suas conclusões claras e diretas. Mostram o resultado de uma política de destruição da escola pública, fruto da ideologia imposta ao país pela ditadura militar. Os arautos dessa ideologia transformavam a vítima em culpado: a escola seria ruim, porque o povo entrou e a ocupou. Nestas circunstâncias, diziam, não dá para fazer mais do que está sendo feito. Pois os adolescentes sabem melhor e denunciam: são discriminados por serem pobres, por serem pretos e por estudarem em escola pública (…), pontua Claudius, que tem sido parceiro da Avante ao longo dos anos, por meio do CECIP – atual secretaria executiva da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), da qual a Avante integra o grupo gestor e vários Grupos de Trabalho, a exemplo: Participação Infantil, Educação Infantil, Planos Municipais pela Primeira Infância.


Vanguarda


O livro, que está com edição esgotada, nasceu da parceria entre a Fundação Odebrecht e o UNICEF e traz a público uma ação de mobilização nacional, dentre tantas outras desencadeadas no país de diversas dimensões e naturezas, por uma educação de qualidade. Já na passagem do século, o contexto permitia que o livro fosse aberto com uma frase que ganha contornos atuais no movimento de ocupação das escolas pelos estudantes: “a instituição escolar está em xeque”. E pergunta: “Que tipo de escola teremos? Quem será o professor dos novos tempo?”


Na publicação, as autoras propõem como estratégia para enfrentar o desafio, a mobilização do aluno, sua escuta nas diversas vertentes que compõem o ambiente escolar, a valorização da multiplicidade dos olhares, e dá um recado para os educadores: “É preciso escutar [os alunos] com a convicção de que o que eles dizem é importante e vale a pena ser escutado. Mais ainda, com a convicção de que as vozes do todos os alunos devem ser escutadas e não apenas as daqueles que têm reconhecimento social e acadêmico. São exatamente os alunos com mais dificuldades de participar das atividades de ensino que terão mais possibilidades de apontar quais os aspectos do sistema escolar que dificultam ou impedem o compromisso e o progresso; é quase certo que essas vozes, as mais importantes para serem ouvidas, são as que menos recebem atenção”.


A atualidade do livro é impressionante, mas não surpreendente. Ela é marca de uma Avante visionária que nesses 20 anos de atuação vem atuando de forma vanguardista em suas diversas frentes de ação pela garantia de direitos, sendo a educação sua ferramenta (trans) formativa para os processos de amadurecimento e fortalecimento políticos do sujeito. A valorização e escuta dos jovens permaneceram no foco da instituição em projetos que vêm deixando marcas indeléveis no contexto social brasileiro.

Entre tantos: o Consórcio Social da Juventude, o Viva Jovem, O Olhar de Jovens sobre os Direitos Humanos no Brasil e, mais recentemente, o Vozes da Cidade – crianças e adolescentes participando da construção de Salvador.

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